O Trump tropical?

Em 30 de junho de 2016, tomou posse nas Filipinas o presidente Rodrigo Duterte. Desde o início de seu mandato ele têm promovido uma política de extermínio de dependentes químicos, comparando-se até mesmo à Adolf Hitler ao afirmar que pretendia “matar a todos” os “viciados em drogas” das Filipinas. Ele também já sinalizou intenção de perseguir a esquerda do país e admitiu ter pessoalmente matado “cerca de três pessoas” (em suas palavras). Graças ao discurso extremamente reacionário e seu notório desprezo pelos direitos humanos, Duterte recebeu a alcunha de “Trump do oriente”. Será que estamos vendo o surgimento do “Trump tropical”?


Comparar Trump e Bolsonaro não é nenhuma novidade. As pautas deles têm bastante em comum mesmo: ambos defendem o armamento da população, o fim de serviços públicos gratuitos, a criminalização do aborto, etc. Além disso, eles também apresentam comportamentos parecidos em diversos aspectos – os dois foram racistas e machistas, por exemplo.

Sendo assim, não é minha intenção “chover no molhado” e comentar as semelhanças entre as bandeiras defendidas por ele. O que eu proponho aqui é um paralelo entre as campanhas presidenciais de ambos, levando em consideração não apenas os discursos e propostas ou as atitudes dos candidatos, mas avaliando o comportamento de seus seguidores, as ações que inspiram na sociedade, o tratamento que recebem da grande mídia e a forma como reagem à isso tudo. Além disso, eu apresento uma possível “pior das hipóteses”, e convido vocês pra confrontarem ela junto comigo.

Talvez a proposta ainda esteja confusa, mas me acompanhe.

Antes de começar, tem algumas coisas que precisam ser pontuadas. A primeira delas é um panorama geral sobre a imprensa nos Estados Unidos. Diferente do que temos aqui no Brasil, os veículos de imprensa estadunidenses não se propõem neutros. É notório que a CNN tem posicionamentos mais favoráveis ao Partido Democrata, da mesma forma que se sabe que a FoxNews é republicana até a medula, por exemplo. Por aqui, ainda que seja perfeitamente perceptível o viés ideológico da Globo ou da Record, ambas se colocam como “isentas” e “imparciais”.

Outro ponto importante a considerar é o quão diferente o sistema político e eleitoral dos Estados Unidos é, comparado com o brasileiro. Para tentar facilitar a comparação, eu vou levar em consideração não apenas o processo eleitoral em si, no caso norte-americano, analisando também as eleições primárias do Partido Republicano (processo de escolha do candidato do partido).

Dito isto…

A FoxNews, como maior veículo de mídia de viés Republicano nos EUA, foi o palco de boa parte das disputas nas primárias do partido, promovendo debates entre os “pré-candidatos”, por exemplo. Durante este período, a relação entre Trump e Fox era conturbada, para dizer o mínimo. Trump chegou até mesmo a declarar que recebia melhor publicidade na CNN do que na Fox. O ápice desta “desavença” foi quando Donald Trump se recusou a participar de um debate promovido pela rede de TV e organizou um evento de arrecadação de fundos na mesma cidade e ao mesmo tempo que o debate.

No Brasil, não é novidade que o candidato da Globo seja Geraldo Alckmin, do PSDB, que até o momento aparece em quinto lugar nas pesquisas, com apenas 5% de intenção de votos. Possivelmente na esperança de alavancar “o Geraldo”, o jornalismo da Globo têm sido bastante duro em sua cobertura sobre a campanha de Bolsonaro,  bem como em suas entrevistas com o candidato. As críticas têm se centrado nas declarações preconceituosos e na incitação da violência por parte do ex-militar, buscando distanciá-lo dos eleitores mais moderados, mas que ainda se veem no espectro político da direita (já que este é o voto que pode se converter para o Alckmin – ainda que seja improvável, dada a completa ausência de carisma do picolé de chuchu).

O que eu quero dizer com isso? De partida, ambos, Trump e Bolsonaro, saem “desamparados” pelos veículos (parcialmente) responsáveis por difundir e radicalizar os discursos conservadores que lhes deram o respaldo popular necessário para que suas candidaturas fossem viáveis. Isto acaba fazendo-os adotar o discurso de que a grande mídia é mentirosa e que eles seriam vítimas de perseguição.


Entre cerca de 100 pesquisas de intenção de voto feitas no mês que antecedeu a eleição de Donald Trump, apenas três indicavam a vitória do republicano sobre Hillary Clinton. Quatro apresentavam empate técnico. E todo o restante apontava para uma vitória de Clinton. Como descobrimos na noite do dia 8 de novembro de 2016, as pesquisas erraram. Não faltaram tentativas de justificar e explicar a discrepância entre o que era previsto e o que de fato acabou ocorrendo. Duas delas me chamaram atenção e podem ajudar e entender algumas coisas sobre política brasileira também.

A primeira delas é a de que as pessoas gostam de “estar certas” mais do que gostam de falar a verdade. Explico: a partir do momento em que a derrota de algum candidato parece certa, as pessoas tendem a evitar admitir seu apoio a ele. Alguém que estude psicologia pode explicar o raciocínio por trás disto muito melhor que eu, com certeza, mas o que vale destacar aqui é que muitas vezes estas pesquisas acabam sendo encaradas como “testes” e a maior vontade de uma parte das pessoas acaba sendo “acertar” e não necessariamente responder com sinceridade.

 A segunda é a de que as pessoas tinham vergonha de admitir o apoio a Trump. E é compreensível. Qual era a imagem que a mídia fazia do eleitor de Trump? Um redneck ignorante, alguém que não entende absolutamente nada de política e que deveria ser ridicularizado. Isto obviamente não impedia que Trump lotasse comícios, afinal é diferente ser parte da horda que grita “build that wall” e responder individualmente à uma pesquisa de intenção de voto. No comício, os “trumpistas” sentiam-se parte do grupo, respaldado pelos números; nas entrevistas, preferiam evitar parecer ingênuos (ou até mesmo burros) e respondiam de forma diferente – seja declarando o voto em Hillary Clinton, seja afirmando-se indeciso.

Qual é a imagem que fazemos de um eleitor do Bolsonaro? O playboy ignorante e preconceituoso, certo? Ainda que existam aqueles que se identificam com este estereótipo e até mesmo aqueles que tem orgulho de fazer parte dele, há uma boa parte de possíveis eleitores do Bolsonaro que podem não se encaixar neste padrão. Há uma chance de estarmos “inibindo” a declaração de apoio a ele e, consequentemente, enviesando as pesquisas de intenção de voto.

E se estivermos às vésperas da eleição do Trump dos trópicos?


Obviamente, neste texto eu destaquei as semelhanças entre Trump e Bolsonaro, mas existem inúmeras diferenças. Além disso, os Estados Unidos são completamente diferentes do Brasil. Sendo assim, pode ser que tudo o que eu disse acima seja paranoia, delírio. Se eu sei disso, por que escrevi, então?

Primeiro, porque mesmo que a chance possa ser pequena, há uma possibilidade de que eu esteja certo. E segundo porque essa possibilidade precisa ser encarada. Eu vi e vejo muita gente de esquerda “desqualificando” o Bolsonaro. Acreditando que ele é despreparado demais, ignorante demais, que não pode ser eleito. Mas não é o caso. Ele é uma ameaça real. Ele tem chances de ser eleito. E enquanto não lidarmos com isso, enquanto continuarmos achando que o “pisão” que ele supostamente levou da Marina Silva ou da Renata Vasconcellos é o suficiente para que ele automaticamente seja desqualificado, vamos continuar “tapando o sol com a peneira”, ignorando o problema real enquanto nos auto-congratulamos por apoiar um candidato que não seja ele. Ridicularizá-lo, por si só, não vai tirar votos dele. Tratar os eleitores dele como burros, também não.

Eu não vou fingir que tenho uma solução pro problema. Não tenho a pretensão nem a presunção de tentar apontar o caminho certo pra sair desse labirinto que tem um fascista em cada esquina. Mas reconhecer o problema é o primeiro passo.

 



Para saber mais

Para quem quiser uma comparação mais detalhada entre as bandeiras e trajetórias de Jair Bolsonaro e Donald Trump, recomendo esta matéria do UOL, publicada em fevereiro deste ano.

Sobre as desavenças entre Trump e FoxNews durante as primárias do Partido Republicano, a título de exemplo, recomendo esta matéria do The Economist, publicada em janeiro de 2016.

Sobre as pesquisas eleitorais das eleições estadunidenses de 2016, eu usei dados do New York Times, onde eles enumeram todas as pesquisas de intenção de votos feitas e seus resultados. Eu levei em consideração aquelas feitas no mês que antecedeu a eleição.

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